terça-feira, 21 de outubro de 2014

Vida em geral

A vida é em geral, embora a espaços, por vezes e sem exagerar, interessante. O Pedro Mexia acha que não. Eu compreendo-o, não só porque sou um empático que gosta de empatizar, mas também porque entendo que racionalmente o cinismo é no seu caso inevitável. Ele não precisa que eu lho diga, mas o problema do meu amigo de longa data Pedro Mexia é que ele é um solipsista. A única forma de apreciar aquele conjunto de eventos e procissões a que se convencionou chamar a vida é virar-nos para fora, e deixar que o exterior por vezes nos entretenha. Qualquer pessoa que se vire para dentro não tem outro futuro que não o ensimesmamento e a desistência. Isto porque a merda dos traumas dói mais, proporcionalmente falando, do que o prazer derivado das alegrias. Isto é um truísmo, bem sei, mas tal como o Pedro Mexia, com quem nunca convivi mas por quem tenho um apreço sem fim, também tenho tendência para o desencantamento. Tal como ele, se o entendo correctamente, esse desencantamento, ainda que estimulado por coisas externas, dirige-se a mim. As coisas externas podem ser más, terríveis até, mas nada me desilude mais do que a minha própria cabeça, os meus vícios, os meus falhanços. O desencantamento com o mundo é antes de mais nada um desencantamento comigo, por não ser capaz de me adaptar melhor às sua formas e tirar partido de tudo o que poderia conseguir com a extroversão. Só que eu, ao contrário do Pedro Mexia, com quem falei uma vez e por quem tenho pouco apreço, tenho dentro de mim uma résquia de encantamento, talvez porque tenho uma catraia lá em casa que me obriga a investir emocionalmente no futuro, o que me leva ocasionalmente a sair de dentro da minha cabeça e a ver a vida como ela é: nem boa nem má, mas com potencial para qualquer coisa.

Escrevi tudo isto apenas porque queria partilhar esta imagem que roubei do blog dele:


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Dá-lhes Alberto

Este senhor falou bem das coisas de que já eu tinha falado antes, o que justifica o grande apreço que tenho por mim: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/sexo-no-supremo-tribunal-administrativo-1673478

O que eu não admito ao Alberto é que ele fale com mais propriedade do que eu, só porque ele percebe do assunto e eu não. Qualquer pessoa de bem aceitará sem reservas que perceber de um assunto é um detalhe pouco importante, quando o mais relevante é obviamente a fúria com que nos expressamos.

sábado, 18 de outubro de 2014

O sexo não importa

Pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade”, refere a decisão de primeira instância, que tinha fixado uma indemnização de 172 mil euros, para compensar  o facto de a doente ter ainda ficado com dificuldades em sentar-se e andar e passado a sofrer de incontinência urinária e fecal. Ficou ainda provado que a mulher, que é casada, passou a sofrer de “perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal”, além de sentir dores e mau estar constante." Público

A malta parece que se espantou com esta notícia e foram perguntar a especialistas se isto significa que os juízes são conservadores. Oh caralho, claro que são: fora de meia dúzia de círculos boémios, tanto os da alta-cultura como os da plebe, Portugal é um país conservador e estes juízes, assumindo que não fizeram parte dos Faíscas nos anos 70, nem frequentaram o Frágil nos anos 80, também serão. O problema é que esta fixação com o que é óbvio ofusca o essencial: o conservadorismo destes tipos e tipa (havia uma juíza pelo meio e não quero ser sexista e aceitar que o masculino inclui ambos os géneros, o que embora seja normalmente justificado como sendo uma tradição linguística sem significado, deriva obviamente de um quadro abstracto-mental sexista, no âmbito do qual se achou normal decidir que o masculino incluiria ambos os sexos. Já agora, abstracto-mental foi um conceito que aprendi no primeiro ano de Sociologia e quase que ia chumbando uma cadeira porque não me lembrei de usar estas palavras, abstracto-mental, durante a discussão de um trabalho de grupo. Por isso, agora, uso-as sempre que posso. Mas perdoem-me a divagação) assume uma outra dimensão, bastante mais merdosa:

"Operada a um problema ginecológico trivial, a empregada doméstica ficou com uma incapacidade permanente de 73%, por lhe ter sido parcialmente lesado, durante a operação, o nervo pudendo."

Nesta curta frase qual é o elemento a reter? Erraram todos os adivinhadores, arriscarei dizer, pois focaram-se no resultado da operação. O que importa é que se trata de uma empregada doméstica e portanto de uma mulher rasca, pobre, provavelmente feia, que nem deveria ter sexo pois jamais o fará da forma romântica e esteticamente aprazível com que o descreve aquele escritor de cujo nome agora não me recordo. Até porque a questão de não poder ter sexo é apenas uma parte do que lhe aconteceu. Calculo que os juízes também tenham escrito: a partir dos 50 anos cagar-se e mijar-se sem controlo não tem a mesma importância que aos 20, quando convém estar limpinha para poder praticar muito sexo. Estes merdas destes juízes tomaram esta decisão de merda não porque o sexo seja mais ou menos importante, mas porque a pessoa em si não é importante, enquanto os senhores doutores sim, e aqueles 60 000 euros que o hospital vai poupar dão jeito para ir às Bermudas recuperar do stress de ter que lidar com este julgamento.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Orçamentes!

Este orçamento, no seguimento dos anteriores, acaricia-me as partes de baixo. Passo a explicar.

Já lá vão uns quantos anos de austeridade, liderados em parte, diligentemente e austeramente, pelo Pedro PC, que mais do que um amigo, um conselheiro ou um mentor é um grande ladrão. Peço desde já desculpa pela linguagem rude: talvez resulte de eu ter emprego e um salário decentes, o que me permite evitar o emasculamento total. Nestes supinos anos de austeridade tudo o que era necessário fazer não se fez, tendo-se feito apenas aquilo que foi obrigatório fazer. Por exemplo, caíram os bancos de regime, mas apenas porque alguém se lembrou de abrir as folhas de Excel que os CEOs e os COOs e os CFOs produzem todos os anos, tendo-se apercebido que faltava lá dinheiro! Assombrados pelo facto de que afinal as forças de mercado não foram suficientes para convencer os bandidos à frente dos bancos de que era melhor serem honestos, os supervisores mandaram um email aos PMs (a este e ao anterior). Estes por sua vez acharam que era interessante aproveitar esta ocasião para pôr à frente dos bancos amigos da política, numa tentativa mal compreendida de incentivar um movimento nacional em direcção à democracia radical directa. Por outro lado, as restantes empresas do regime em vez de serem partidas aos bocados, vendidas a retalho e forçadas a competir com outras organizações, foram renacionalizadas, só que desta vez pela China e por Angola. Em relação aos primeiros até acho bem, porque antecipa por uns anos o momento em que a China vai tomar conta disto tudo e com sorte faz-nos cair nas boas graças dos tipos. Quando eles vierem por aí para nos invadir poderemos dizer: parem, isto já é tudo vosso, arroz chao-chao, xiexie.

Leva-me isto à conclusão de que aquilo que aconteceu nos últimos anos em Portugal, desde a austeridade que levou ao aumento da dívida, às privatizações com renacionalizações, aos disparates do Crato, ao desprezo com que o PP Coelho e outros compadres de governo falam de Portugal, ao fato de que o Jorge Coelho existe, obedeceu não a um projeto neoliberal de subjugação das massas, nem a um projeto reacionário de vingança pelos assomos de lirismo mal direcionados do 25 de Abril, mas sim a um grande vão-se foder. É isso mesmo. Eles não sabem o que andam a fazer, mas vão continuar a fazê-lo e quando questionados dirão, ainda que por palavras mansas e tecnocráticas: vão-se foder! O Paulo Portas bem pode rabujar de vez em quando e pedir ao PPC que lhe dê algo de que falar na próxima campanha, mas calculo que a resposta não varie muito daquela que todos nós temos recebido nos últimos anos, incluindo do próprio Paulo Portas. Ora quando me fodem normalmente gosto que me afaguem os tomates, o que explica o primeiro parágrafo.