sábado, 18 de outubro de 2014

O sexo não importa

Pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade”, refere a decisão de primeira instância, que tinha fixado uma indemnização de 172 mil euros, para compensar  o facto de a doente ter ainda ficado com dificuldades em sentar-se e andar e passado a sofrer de incontinência urinária e fecal. Ficou ainda provado que a mulher, que é casada, passou a sofrer de “perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal”, além de sentir dores e mau estar constante." Público

A malta parece que se espantou com esta notícia e foram perguntar a especialistas se isto significa que os juízes são conservadores. Oh caralho, claro que são: fora de meia dúzia de círculos boémios, tanto os da alta-cultura como os da plebe, Portugal é um país conservador e estes juízes, assumindo que não fizeram parte dos Faíscas nos anos 70, nem frequentaram o Frágil nos anos 80, também serão. O problema é que esta fixação com o que é óbvio ofusca o essencial: o conservadorismo destes tipos e tipa (havia uma juíza pelo meio e não quero ser sexista e aceitar que o masculino inclui ambos os géneros, o que embora seja normalmente justificado como sendo uma tradição linguística sem significado, deriva obviamente de um quadro abstracto-mental sexista, no âmbito do qual se achou normal decidir que o masculino incluiria ambos os sexos. Já agora, abstracto-mental foi um conceito que aprendi no primeiro ano de Sociologia e quase que ia chumbando uma cadeira porque não me lembrei de usar estas palavras, abstracto-mental, durante a discussão de um trabalho de grupo. Por isso, agora, uso-as sempre que posso. Mas perdoem-me a divagação) assume uma outra dimensão, bastante mais merdosa:

"Operada a um problema ginecológico trivial, a empregada doméstica ficou com uma incapacidade permanente de 73%, por lhe ter sido parcialmente lesado, durante a operação, o nervo pudendo."

Nesta curta frase qual é o elemento a reter? Erraram todos os adivinhadores, arriscarei dizer, pois focaram-se no resultado da operação. O que importa é que se trata de uma empregada doméstica e portanto de uma mulher rasca, pobre, provavelmente feia, que nem deveria ter sexo pois jamais o fará da forma romântica e esteticamente aprazível com que o descreve aquele escritor de cujo nome agora não me recordo. Até porque a questão de não poder ter sexo é apenas uma parte do que lhe aconteceu. Calculo que os juízes também tenham escrito: a partir dos 50 anos cagar-se e mijar-se sem controlo não tem a mesma importância que aos 20, quando convém estar limpinha para poder praticar muito sexo. Estes merdas destes juízes tomaram esta decisão de merda não porque o sexo seja mais ou menos importante, mas porque a pessoa em si não é importante, enquanto os senhores doutores sim, e aqueles 60 000 euros que o hospital vai poupar dão jeito para ir às Bermudas recuperar do stress de ter que lidar com este julgamento.