Só que para lá desta caracterização bastante superficial
tenho dificuldade em entender o que é o Ricardo Salgado exactamente.
Nomeadamente, pergunto-me como é que um gajo passa de rei do universo para rei
dos queixinhas. Já sei o que dirão os caros leitores, inteligentes e simpáticos
que sois: é tudo a mesma coisa, pois o ego que leva um tipo a querer dominar as
merdas tão completamente é o mesmo que o leva a negar que tenha feito merda. Mas
o que espanta é a leveza da sua defesa: quem eu? eu não fiz nada de mal, nem
sequer tirei as mãos dos bolsos, lixaram-me foi o que foi - Que resposta de
labrego, caralho!
O Ricardo Salgado, se fosse com propriedade e solidez o dono
disto tudo, como diziam que era, reagia com fúria. Ao ver este gajo caído desta
forma, a choramingar para proteger o que ele pensa ser a sua honra, concluo que
ele chegou ao topo da pirâmide de poder portuguesa por acaso e não por
dedicação. Assim como o Boavista ganhou o campeonato aqui há uns anos porque a
competição estava fraquinha (o que levou as pessoas a caracterizar o Jaime
Pacheco como um treinador de qualidade, durante esses anos terríveis aos quais
nos referimos hoje em dia como ‘os anos em que o Jaime Pacheco foi considerado
um treinador de qualidade’, apenas secundados no grau de miséria colectiva que
inspiraram pelos anos em que o Paulo Portas existiu) o Ricardo Salgado ganhou a
competição na qual ele participava devido à frouxidão da oposição (a aliteração
é puramente acidental, juro). Eu sei que é fácil pontapear um cadáver,
atividade à qual me estou a entregar com um regozijo bastante visível. Mas
tendo em conta que o Pedro Passos Coelho, essa besta inqualificável, sai disto
tudo com ar de vencedor, andando por aí a dizer que os donos do país estão a
desaparecer, mostra que o Ricardo Salgado não pode ser um gajo inteligente.
Quem é então o Ricardo Salgado? Isto é tudo muito óbvio para
o resto da sociedade portuguesa, mas as coisas chegam-me devagar e violentamente,
logo perdoem-me por perceber apenas agora o que era óbvio para todos vós: o
Ricardo Salgado é o peido final do Estado Novo, um gajo que permaneceu no topo
porque não havia mais ninguém para gerir bancos em Portugal há uns anitos
atrás; um gajo que nunca soube o que fazer quando lhe deram uma economia
aberta, cheia de possibilidades para mexer o dinheiro de um lado para o outro,
numa ilusão de trocas financeiras que geram dinheiro sabe-se lá como. O Ricardo
Salgado ficou deslumbrado com isto tudo e quando pessoas mais espertas do que
ele (como os gajos que mandam em Angola) disseram-lhe para fazer isto e aquilo,
ele fê-lo. Apoiado no poder que tinha (porque tinha poder, claro) juntamente
com o poder que pensava ter, fugiu para a frente, mas sempre de forma muito
paroquial, muito Salazarenta, muito labrega, apoiando-se nas empresas do
regime, sem nunca entrar no jogo onde verdadeiramente se faz dinheiro, aquele
em que brincam os meninos grandes da City e de Wall Street. Se ele fosse um
gajo desses não estava para aí a choramingar: dizia que fez o que tinha que
fazer e que se alguém tem problemas que se vá foder. Vejam onde estão os
capitães da indústria financeira americana e britânica e onde está o Ricardo
Salgado, comparem, e digam-me lá que este gajo não era um fracote.