Se pudesse votava no Donald Trump. Pensei nesta frase antes de pensar nos
motivos, que são ex post facto mas nem por isso menos importantes, pois a
maior parte das pessoas que vota, vota por instinto, e como tal o meu instinto
é suficiente para legitimar esse desejo. Mas vamos ensaiar razões:
1. Desejo desde há uns tempos estabelecer uma vida menos dependente do
edifício institucional segundo o qual o meu trabalho tem um valor que merece
ser remunerado acima da média. Este edifício é tão bom ou mau como qualquer
outro e desenganem-se os que me imaginam um pessimista. Apenas sou parvo o
suficiente para lembrar-me da frase do Marx: tudo o que é sólido se desfaz no
ar, uma frase que porveio ao barbudo comunista Alemão enquanto cagava e
subsequentemente inalava o odor que emergia impiedosamente da sanita. Este
facto foi tão mais grave porque no dia anterior o Marx tinha-se embebedado que
nem um proletário alcoólico sem um plano para a vida e sem o hábito de visualizar
uma vida mais positiva para si que o levaria a encarar cada novo dia como uma oportunidade
para começar de novo e finalmente atingir o seu potencial enquanto ser humano,
o que gerou uma caganeira particularmente atroz. Marx, um literato, sabia que o
cheiro significa inalar partículas em suspensão, neste caso de merda. Daí veio
a brilhante conclusão que tudo o que é sólido se desfaz no ar, uma conclusão
violenta, enraivecida, não pelo seu sentido metafórico de almejar um futuro melhor
para as classes com futuro histórico, mas sim porque aquela peste em cima de
uma ressaca estrondosa o tinha deixado de mau humor. Usando neste caso o
sentido metafórico, pergunto-me que garantias temos que o consenso do
pós-guerra que levou à massificação do estado social e ao crescimento da classe
média continue? Até porque em Portugal esse consenso chegou ainda mais tarde e
mais porcamente e há países onde nunca pôs os pés. Excluíndo estas poucas
décadazitas e os poucos países onde esta coisa funcionou de facto, a história da
humanidade foi uma sucessão de barbáries com equilíbrios pontuados de algum
bem-estar relativo, pelo qual podemos entender períodos em que um tipo podia viver
até morrer de causas naturais aos 35 anos sem que lhe cortassem a cabeça. Sem pessimismos,
pergunto-me até quando irá durar esta coisa, em que se pagam milhares de Euros
a meia dúzia de cérebros hipertrofiados para escrever umas coisas que ninguém
lê?
2. O meu plano de sobrevivência passa por extrair o máximo de dinheiro possível
do edifício insitucional, ao mesmo tempo que me preparo para um futuro
apocalíptico em que, Jesus credo, vou ter que cultivar batatas e viver da terra.
Até lá vou encher os armários de livros e quando puder começar a encher a cave
(que ainda não tenho) com vinho (que ainda não comecei a comprar), porque
cheira-me que o futuro apocalíptico vai ser aborrecido.
3. O meu plano passa também por fazer estas coisas mais perto da família,
não porque tenha um desejo enorme de estar perto deles, mas sim porque sei que
quando a merda atingir a ventoínha convém ter por perto pessoas que por força
das convenções sociais (que seguramente não só sobreviverão como se tornarão
mais fortes após o apocalipse) sentirão a obrigação de cuidar de mim.
4. Votar no Trump não é acelerar este processo, como erradamente pensarão
algumas das bestas niilistas que votam nele. É pelo contrário travá-lo, porque
este gajo vai provavelmente gerar um contra-movimento de fortalecimento da
democracia, encetado pelos mesmos oligarcas que têm vindo a destruir a merda da
democracia, mas cujo interesse pessoal irá alinhar-se momentariamente, e pelas
razões erradas, com o interesse do resto da malta. Logo um voto no Trump é um
voto no continuar do consenso. Qualquer um dos outros, incluindo a Hilary ou o
Bernie, trariam mais provavelmente e mais aceleradamente o fim desta merda
toda, ao insistirem em tapar buracos nas extremidades, sem perceber que isto
está tudo perto do colapso. Sem pessimismos ou catastrofismos, o que é que
vamos fazer com o aquecimento global, o crescimento da desigualdade, os
refugiados, com as futuras pretensões da China a serem a única potência num mundo
unipolar (quase que vomito com este cliché das relações internacionais), o
cinismo em relação à democracia, a montanha de dívida pública e privada, e o fascismo
no mundo islâmico? Ao lado da admiração que tenho pela ingenuidade e creatividade
do ser humano, ponho o facto de que em determinados momentos da nossa bela história milhares de
pessoas participaram em exercícios de repressão e nalguns casos de assassínio
em massa. Estas dinâmicas são normalmente justificadas posteriormente (ou nalguns casos, contemporâneamente, como acontence agora com os filhos-da-puta do ISIS) com o contexto,
mas o contexto será um consolo de merda se um dia me entrarem por casa a dentro
para me matar e ao resto da minha família.