Que vida terá aquele gajo, o português que mal fala
português? Vai na volta é mais feliz do que eu. Não me refiro à ideia da
felicidade dos ignorantes, porque isso é um conceito de merda inventado pelos
burgueses melancólicos, que gostam de romantizar a pobreza e a barbárie. Ser
pobre é fodido, não ter capital social nem capital normal, nem competências que
possam ser realçadas num currículo de forma a conseguir aquela primeira entrevista,
na qual com uma mistura de charme e uma atitude empreendedora, mas ainda assim
humilde, conseguimos convencer o potencial empregador a dar-nos dinheiro em
troca de fingirmos todos que aquilo no qual trabalhamos vale um pintelho. Ao olhar para este tipo imaginei que ele
teria uma vida de merda, com um emprego de merda, com um patrão de merda, com
uns filhos de merda que andam na rua armados em mitras e uma mulher que o
despreza, por lhe dar apenas esta vida de merda. Mas se calhar enganei-me, se
calhar o gajo tem dinheiro e na comunidade dele é o rei. Ainda assim apenas o
consigo visualizar como o rei da merda, tipo um proprietário de casas para
pobres, imigrantes ilegais e carochos, tipo slum landlord, conhecidos nos
bairros pobres americanos como mais filhos-da-puta que todos os outros, pois ao
menos os restantes ricos vivem isolados da pobreza e podem fingir que não sabem
das suas verdadeiras consequências.
Claro que no meio disto tudo o estúpido sou eu. A minha
culpa esquerdista impede-me de o ignorar, ou de o desprezar da mesma forma que
o interlocutor do consulado, o meu conforto impede-me de o ajudar e os meus
preconceitos impedem-me de imaginar uma vida para ele fora de determinados
parâmetros (esta última parte não interessa para nada, pois o meu imaginar em
nada influencia a vida deste caralho). Soluções tenho poucas. Perante isto, e
tenho consciência que estou a extrapolar muitas coisas de um episódio
insignificante, um gajo ou ganha um sentido mais exacerbado da sua importância
neste mundo e dedica-se activamente a procurar uma vida melhor para todos ou
fecha-se num niilismo frouxito, assente na convicção de que tudo o que que nos
rodeia neste momento não passa de um peido num vendaval. Pondo tudo isto em
contexto, transversal ou temporal, somos apenas uma fracção de um grão de areia
nas galáxias e planetas que por aí andam, ou uma fracção de segundo nos milhões
de anos que nos precederam e que ainda sobram na história do universo. Só que
mesmo um ateu como eu, que não atribui objectivos metafísicos à existência, nem
adopta uma visão teleológica da evolução, não pode deixar de considerar a vida
como uma coisa única e especial. É exactamente a aleatoridade da nossa
existência, não só enquanto espécie mas também enquanto indivíduos, que me leva
a não desistir de considerar a vida como algo de importante, que deve ser
protegido e melhorado.
Só que isto leva a outros problemas. Como melhoramos a vida
das pessoas? Atenção, vivo num país desenvolvido, com um sistema nacional de
saúde, educação quase gratuita e outros serviços sociais. Ninguém está a morrer
à fome neste contexto e só pessoas no extremo do mal-estar é que vivem na rua.
Logo estou a a falar de uma melhoria que de certo modo entra no foro privado
das pessoas. Trata-se de os ajudar a levar uma vida menos merdosa, ou menos
violenta, ou menos auto-destrutiva, o que implicaria certamente interferir com
as suas decisões individuais. Quem sou eu para o fazer? Todas as minhas
decisões são boas? Foda-se! Certamente haverá quem ache que tendo em conta a
minha posição inicial de partida na vida poderia ter conseguido muito mais. Se
essas pessoas tentassem interferir com as minhas decisões dava-lhes um pontapé
no filho-da-puta do rabo. Em termos estruturais, a educação apenas é solução no
longo-prazo e sempre com falhas, os serviços sociais apenas ajudam nalguns
casos e o terceiro sector não resolve nada. Salários em condições normalmente
ajudam, mas no momento político em que vivemos ganhou o outro lado, aquele que
gosta de pagar mal e esmifrar os trabalhadores.
Pouco me resta excepto a solidariedade silenciosa e um
esforço individual para pelo menos dar uma vida boa aos que me rodeiam, o que
está muito para lá da simples contribuição material e inclui o esforço de criar
um clima conducível ao desenvolvimento pleno do nosso potencial. Quanto ao
resto continuarei à procura do melhor veículo.