Imaginemos uma aldeia pequena e isolada. Um dia um dos
habitantes tem que se meter no autocarro e ir à cidade por duas semanas, por
razões várias. Fica em casa do tio-avô, jardineiro na junta-de-freguesia de
Benfica e após resolver os seus afazeres vai dar uma volta pela capital. Acha a
baixa muito bonita, ofende-se com as liberdades a que se permitem os
homosseuxuais quando protegidos pelo cosmopolitanismo do Bairro Alto e senta-se
num banco no Parque das Nações a admirar a Ponte Vasco da Gama. Quando volta à
aldeia sente-se um homem mudado e as rotinas que antes o confortavam parecem-lhe
agora opressivas. A sua revolta interior vira-se para fora e passa a olhar para
os restantes aldeãos com desprezo, criticando as suas vistas curtas e falta de
ambição. Nem os pesadelos ocasionais, em que se imagina numa orgia homossexual
com um homem efeminado a afagar-lhe o escroto enquando um bear peludo o penetra violentamente, o demovem da sua obsessão com
a óbvia superioridade da vida urbana.
Ora pergunto eu: quem é neste contexto o verdadeiro pacóvio?
O ignorante, cuja falta de ambição intelectual deriva das limitações óbvias do
ambiente no qual nasceu, e que como nos ensinou o pai Marx, não é produto da
sua acção? Ou aquele que após ter adquirido um conhecimento superficial e pouco
sistemático da vida para além da aldeia se acha mais evoluído, embora daí não
resulte nenhum desejo de aprender verdadeiramente e profundamente, mas apenas a
vontade de adquirir meia dúzia de dados que lhe permitirão confirmar e enraizar
o seu preconceito e arrogância? A resposta está obviamente implítica na forma como
fiz a pergunta.
O agente ignorante, pacóvio e provincial é aquele que se
contenta com saber o suficiente para se elevar um bocadinho acima da merda e
não aquele que ignorando essa possibilidade tão pouco a pode equacionar.
Vem isto a respeito do livro publicado por esta gaja. A
premissa é desde logo estúpida: diz que fez entrevistas e procurou informação
para desenvolver a sua tese mas depois diz também que isto são as coisas que
sempre disse. Logo coloca-se nesta categoria dos que não querem verdadeiramente
aprender nada mas apenas confirmar a sua arrogância completamente
despropositada. Porque meus amigos, se Portugal não é o melhor país do mundo,
tão pouco é o pior. Portugal é o que é, um país pobre até há pouco tempo, que
melhorou nalgumas coisas muito rapidamente, noutras devagar e noutras pouco ou
nada. Se esta senhora fosse menos
paroquial e ignorante e fosse mais bem intencionada teria concluído isto mesmo
e teria evitado estragar meia dúzia de árvores a publicar um conjunto de
páginas fixadas numa lombada a que alguns ousaram, corajosamente, chamar uma
reflexão.
Mas isto não acaba aqui. Esta arrogância é comum em certos e
determinados quadrados da sociedade portuguesa. Já o cagalhão do Salazar se
apoquentava com a pieguice e excesso de emoção dos portugueses. Pior, parece-me
que este desprezo é comum entre aqueles que tragicamente nos governam. A bem da
verdade o desprezo é mútuo sendo que no entanto o nosso desprezo por esses
selvagens é justificado.
O que é que significa tudo isto? O que eu gostava mesmo,
mesmo, mesmo era que todo e qualquer debate fosse influenciado por pelo menos
uma vontade de saber, aliada a uma genuína humildade intelectual. Sendo que
isso não vai acontecer sugiro em alternativa que da próxima que se depararem
com um destes animais, que fale com regozijo do ‘óbvio’ desajustamento cultural
dos portugueses às necessidades da vida moderna, reajam dando-lhe um par de
estalos pós-modernos, daqueles que demonstram a futilidade de qualquer argumentação
adicional, deixando ainda assim bastante claro o vosso posicionamento.